domingo, 19 de junho de 2011

O Mundo de Sofia


O romance da história da filosofia intitulado "O Mundo de Sofia", narra a história de Sofia Amundsen, uma menina de quase quinze anos que morava com sua mãe, pois o trabalho de seu pai o deixava ausente boa parte do tempo.

Certo dia, quando vinha da escola, encontrou dois pequenos envelopes brancos, não simultaneamente. Em cada um havia uma indagação e elas levaram Sofia a reflectir sobre a vida e a origem do mundo. Também recebeu um cartão-postal que deveria ser entregue a uma pessoa que ela nem conhecia e cujo nome era Hilde.

Sofia recorreu a um esconderijo no jardim de sua casa para pensar e reflectir sobre as perguntas. Para ela, ele representava um mundo à parte, um paraíso particular, como o jardim do Éden mencionado na Bíblia.

Desenvolvimento Histórico do Pensamento Ocidental

Começamos a observar, primeiramente, um pensamento não definido no tempo-espaço, sem começo determinado e que imperava no início dos tempos até antes do aparecimento dos filósofos pré-socráticos: o mitológico.

Este pensamento foi a forma primordial das populações, cada qual a seu modo, entender os processos naturais a sua volta. Estava este relacionado ao panteísmo, sendo suas divindades as mantenedoras de um precário equilíbrio entre as forças do bem e do mal. Para que os povos se comunicassem com estas foram criados rituais religiosos, onde ofereciam sacrifícios ou oferendas para aplacar a fúria de determinado deus ou pedisse sua ajuda para determinada tarefa.

Tal pensamento foi o precursor de vários modismos que persistem ainda hoje em nosso inconsciente, bem como a superstição, muito em voga na antiga Grécia, antes do aparecimento dos filósofos.

Atenas, com a vitória grega sobre os persas, tornou-se capital ocidental da cultura e do saber. Isto ocorreu pois o desenvolvimento democrático dessa cidade permitiu que seus cidadãos (não se encaixavam os escravos) mais célebres começassem a refletir sobre o mundo que os cercavam. Apareceram pois os filósofos da natureza.
           
Tais filósofos procuravam entender os processos naturais que os cercavam, de uma forma genérica e abrangente. Tanto a base primordial de tudo que existe quanto o mundo dos sentidos foram levados em consideração, as vezes em conjunto ou defendidos separadamente por filósofos diferentes, que se opunham em relação ao que é eterno e imutável e o que é efêmero e sempre mutável, como a vida e a ação do tempo na natureza. São também conhecidos como pré-socráticos, e seu principal pensador era Demócrito, para quem o que denominou como átomo, partículas que se agregavam para formar o mundo efêmero e sensível aos nossos sentidos, que se desagregavam mas eram eternas em sua forma única. Sua concepção, conhecida como teoria atômica, uniu as duas correntes de pensamento contrárias em sua época, já discursadas acima.

Após o desenvolvimento de tais teorias sobre a natureza do mundo, começaram a aparecer filósofos que se concentraram em descobrir a natureza do homem, sua relação com o mundo e a melhor forma de bem viver com este e consigo próprio, dando origem ao pensamento ético e moral baseado na razão, primórdio para uma feliz e recta vida. Com o aparecimento do primeiro grande filósofo grego, mundialmente reconhecido, Sócrates, há um divisor de águas entre os filósofos até então. Sócrates preocupou-se em descobrir e depois ensinar as pessoas que o verdadeiro conhecimento vem de dentro e só este pode lhe fornecer o discernimento necessário para a vida, sendo este só possível através do emprego da maior faculdade do Homem: sua razão. A razão era a medida das coisas e não a sociedade, como diziam certos contemporâneos de sua época, conhecidos como sofistas, que desenvolviam a arte da retórica e cobravam por seus préstimos a humanidade, principalmente a classe dominante grega. Embora seu fim tenha sido trágico, ao ser obrigado a cometer suicídio tomando um veneno chamado cicuta, deixou muito de sua filosofia, retratada por seu principal aluno, Platão.

Platão foi o responsável pelo registo do pensamento socrático, realizado através de seus diálogos, preservando a retórica na escrita. Suas principais preocupações giravam em torno daquilo que seria eterno e imutável, a origem de todas as coisas que vemos e como podemos defini-las quando as observamos. Sabemos como é um cavalo, conhecemos sua forma, pois segundo sua filosofia, há uma forma pré-concebida no mundo das idéias, uma forma ideal e perfeita, imutável e divina, já que na natureza tudo flui, nada é perfeito e imutável no mundo dos sentidos. Procurava o que era eternamente bom, eternamente belo e eternamente verdadeiro. Em relação ao homem, tal concepção do mundo garantia-lhe a existência de uma alma que transmigrava para seu corpo e, quando da morte deste, retornava ao mundo das ideias.
Sua busca pela forma perfeita também o levou a desenvolver uma teoria e subsequente forma ideal de governo, descrita em seu livro “A República”, onde, entre várias coisas, definia a maneira correta do bom governar e desenvolvia seus raciocínio em relação a participação activa da mulher na sociedade. Desagradado em relação a não compreensão de seus ensinamentos conclui mais uma obra “As Leis” onde descrevia uma segunda melhor forma de governo, adaptada a cultura social preponderante na época.

Da academia de Platão surgiu o terceiro e último grande filósofo da antiguidade: Aristóteles. De pensamento analítico e formação científica, este macedónio desenvolveu uma teoria contrária a de seu predecessor e mestre. Segundo ele, tudo possuía forma e substância, sendo a primeira relacionada ao espécime masculino e a segunda ao feminino, originado-se deste pensamento sua reprovação em relação a capacidade real da mulher na sociedade e em relação ao mundo das ideias de seu mestre: pois não podemos ter uma forma pré-definida de um cavalo se não conhecemos nenhum ainda. Grande cientista, pesquisador de várias áreas do saber, não só o da filosofia, foi um dos fundadores da pesquisa empírica e da noção de classificação natural de espécie, sendo seus moldes a base do desenvolvimento e separação das ciências como as conhecemos ainda hoje.

Aristóteles também desenvolveu algo de peculiar em seu raciocínio filosófico em relação a causa primeira das coisas: segundo ele, tudo que acontecia na natureza tinha uma dada finalidade, um propósito de ser e acontecer, para houvesse a manutenção da vida e o equilíbrio no mundo.

Já na época de Aristóteles o império grego começara a se desfazer ante o avanço do império macedônio de Alexandre Magno. Através de suas conquistas, este conseguiu unir culturalmente a Europa, o Egito e a Ásia Menor, quebrando as fronteiras e dando origem a uma era de grande desenvolvimento cultural e do saber, através da experiência adquirida de vários povos reunidos no pólo cultural e científico da cidade de Alexandria, onde a filosofia grega e sua língua tiveram papel preponderante, a chamada era do Helenismo. Filosoficamente, várias ramificações do pensamento socrático e platónico ocuparam o seu devido espaço na procura de uma concepção humana de vida.

Dentre essas correntes destaca-se o Neoplatonismo, desenvolvido nesta época e aclamado por Plotino, que viria a ser um grande rival do nascente cristianismo. Pregava uma filosofia da libertação onde dizia que um dualismo exercido pela força da luz de Deus e pelas regiões ou locais ou coisas a que esta não alcançava, a ausência de total de luz. A matéria era as trevas, e o Homem era formado por esta e também pela essência divina, sua alma, centelha do eterno e imutável ser.

Outra corrente importante na época foi o misticismo. Diferentemente do desenvolvimento ocidental, esta prática oriental visava colocar o homem em contacto, através da auto-observação, consigo mesmo e dessa forma com o todo, com o absoluto, com o que muitos chamam de Deus. Nesta busca perde-se a si mesmo mas encontra-se algo muito maior, que é a própria essência de tudo o que existe.

Havia, já no período do Império Romano, que sucedeu o macedónio, dois círculos culturais distintos, o indo-europeu e o semita. O primeiro possuía uma forma de pensamento fluido, como sendo a história uma grande espiral, onde esta de desenvolvia de forma cíclica, e tinha como principais filosofias ou religiões o hinduísmo, o budismo e a própria filosofia grega. Já o círculo cultural semita, deu origem as grandes religiões ocidentais: o islamismo, o judaísmo e o cristianismo. Possui uma visão contínua da história, como se esta fosse uma linha que possui começo e fim definidos. Outra grande distinção entre essas duas grandes correntes é o fato de que a primeira é politeísta e a segunda monoteísta.

Nesta situação de encontro entre tais correntes aparece aquele que foi profetizado pelo povo israelita, o filho de Deus, Jesus de Nazaré. Por sua filosofia também foi morto, como Sócrates. Ensinava que Deus é extremamente misericordioso e para alcançarmos sua graça devemos elevar nossas preces, pois de nós deve partir o desejo pela salvação. Também pregava amor e perdão incondicionais, conceitos avançados demais para a época e que feriam intenções de poderosos, sendo sacrificado por isto.

Após sua morte e notícias de sua ressurreição, o apóstolo Paulo disseminou sua filosofia e as revelações bíblicas, formando, em pouco tempo, comunidades cristãs por toda a Europa. Tais comunidades viriam a se disseminar e desenvolver o poderio da Igreja Católica, nos tempos de regressão ao feudalismo na Idade Média. Em parte esta forma econômica foi a responsável pela manutenção da estrutura católica, e se desenvolveu graças a desertificação das grandes metrópoles antigas, como Roma. Dessa forma a economia até então existente deu lugar à camponesa, regredindo a um estágio de escambo e produto in natura.

Nesse período histórico conturbado e evolutiva-mente estagnado a Igreja Católica firmou seu poderio moral-ético-religioso. Agora esta instituição detinha os meios de informação, actividade intelectual desempenhada pelos copistas, assim nomeados devido ao fato de serem os guardiões e manipuladores do conhecimento velado. Desta doutrina, portanto, surgiram os principais filósofos da Idade Média. Esta filosofia católica foi uma forma de unir a base indo-europeia grega, de Platão e Aristóteles, a teologia do Velho e Novo Testamento. O primeiro a conseguir eficiência em sua tarefa foi Santo Agostinho. Este monge procurou conciliar a teologia cristã ao neoplatonismo. Segundo Agostinho, a criação veio a partir do nada mas as ideias já existiam pré-concebidas na cabeça do criador - portanto análogo a teoria platoniana (este afirmava que o mundo das idéias sempre existiu, mas não que veio do nada absoluto). Entretanto, para seguir tal conciliação também aplicou a sua filosofia certo apego ao destino, a dualidade do ser humano e foi o primeiro a colocar a história - uma característica linear do semitismo - em seu trabalho.

Outro importante filósofo foi Tomás de Aquino, responsável pela conciliação das teorias de Aristóteles com os ensinamentos e cultura bíblicas. Ele consegui criar um elo entre a razão e a fé, postulando a existência de dois tipos de verdade: a verdade teológica, reconhecida e compreendida somente através da fé, e a verdade teológica natural, referente à razão humana e aos desígnios da natureza, sendo estes conhecimentos também referentes à moral humana e não só a revelação dos desígnios de Deus.

Logo após a morte de São Tomás de Aquino a estrutura eclesiástica começa a ruir. O ideal burguês passa a desempenhar o papel de libertador das estruturas até então impostas pela Igreja. Um novo movimento mundial começa a emergir, com a quebra do feudalismo e o aparecimento da moeda: o Renascimento.

O Renascimento foi a realização de uma retomada do humanismo grego, sendo entretanto uma de suas principais características o individualismo. Isso ocorreu devido a mudança da concepção da natureza da vida humana e a própria visão deste do mundo e de si mesmo: começou-se a medir o mundo através dos conhecimentos e da experiência real do ser. O Homem deve ser feliz neste planeta, ver de forma diferente o mundo físico e não somente viver para desfeitear uma vida no céu. Abriram-se milhares de janelas, tanto para a forma de viver quanto para o desenvolvimento científico. O Homem não existe somente para servir a Deus, mas também a ele próprio. O racionalismo imperou e começou a se formar um método empírico de observação do mundo natural e vários cientistas destacaram-se como Galileu e Copérnico.

A partir desta nova visão de mundo pouco tempo depois surgiram teorias e formas de se viver opostas inconciliáveis. O século XVII é conhecido período Barroco, pois as formas não são mais suaves e sim opulentas e agressivas, cheias de contrastes, o que exteriorizava as tensões do consciente mundial da época. O materialismo de Thomas Hobbes, idêntico a filosofia de Demócrito, contrapunha-se ao idealismo, que visava o desenvolvimento anímico e espiritual do ser. O materialismo contribuiu para o desenvolvimento do que é conhecida como visão mecanicista do mundo. Muitos foram os colaboradores deste sistema de pensamento, evidenciado pelas descobertas científicas de Newton, entre outros.

Em virtude destes acontecimentos nasce René Descartes, responsável pela reunião do pensamento contemporâneo num único e coerente sistema filosófico. Todos buscavam um método concatenado de experimentação científica e filosófica. Havia uma ordenação das idéias não existente na filosofia grega, não era somente genérico e sim pragmático e racionalista. Dentre as várias teorias desenvolvidas deve-se destacar além de Descartes, Spinoza, segundo o qual “...Deus não é um manipulador de fantoches...”. Spinoza compreendia que a dualidade das coisas, que segundo ele tudo ou era pensamento ou extensão, provinham de uma única fonte, diferentemente da corrente dualista que se mostrava na época.

Passado a grande revolução da Renascença e o conturbado Barroco, deu-se a necessidade de se organizar todo este conhecimento, surgindo deste ideal a Enciclopédia, onde os maiores pensadores de seu tempo depunham sua experiência e seus preceitos sociais, morais e científicos.

Muitas características marcaram esse novo movimento mundial. A revolta contra as autoridades, devido ao despotismo dos soberanos e a busca da liberdade de livre pensar e fazer, inerente ao pensamento burguês - era o rompimento com o conhecimento herdado. O alto racionalismo provinha de uma fé inabalável na razão humana, como as dos filósofos gregos. Os auto-intitulados iluministas procuravam criar uma base sólida para a moral, a ética e a religião humana, para que estas estivessem em sintonia com a razão imutável do próprio ser.

O optimismo cultural era reinante nesta época, pois todos acreditavam que seria uma questão de tempo para que a irracionalidade não mais desempenha-se uma força tão vital em relação ao Homem, ao mesmo tempo que buscavam uma religião natural - esta religião estaria em contacto com a estrutura natural do ser. Com o aparecimento de tais características e intenções, pouco depois esta nata social começou a elaborar os direitos humanos. Vários pensadores podem aqui serem destacados, muitos inclusive conhecidos do grande público com Voltaire, Montesquieu, Rousseau etc.

A última grande época de desenvolvimento humano, que veio logo após o Iluminismo, foi o Romantismo, já que depois apareceram novas teorias e concepções de mundo em campos distintos do conhecimento: Marx na economia, Darwin na biologia e Freud na psicologia. Surgiam novas palavras de ordem como sentimento e imaginação, e um anseio pelo que está longe e inatingível. Buscava-se estão não mais a razão como veículo do saber e da verdadeira experiência mas sim a arte, sendo muitos artistas considerados como deuses. Esse sentimento aflorado trouxe a noção de unidade aquilo que os iluministas, como Kant e Descartes, viam só de forma mecânica. O planeta era considerado como um enorme e único organismo vivo, onde tudo e todos estavam interligados de alguma forma.

Dentre os filósofos românticos o de maior destaque foi Hegel. Contribui para a concepção de que existem verdades maiores que a razão humana e a filosofia, portanto, não poderia ser desvinculada da época a qual se desenvolveu, tendo então todo pensamento um contexto histórico. Desenvolveu a teoria de tese, antítese e síntese, provando sua teoria do dinamismo da razão humana.

Em contraposição ao conhecimento Hegeliano surgiu na Europa um indivíduo que contrapunha suas teorias com a idealização da sociedade sendo movida através do desenvolvimento económico da mesma, onde o nível dos bens materiais que influenciariam o ser, acarretando, posteriormente, seu nível de desenvolvimento espiritual. Há uma inversão da balança proposta por Karl Marx.

As condições econômicas, sociais e materiais de uma sociedade seriam a base da mesma, o que Marx chamou de superestrutura. Dentro desta as condições naturais, as forças e as relações de produção eram as responsáveis pelo desempenho evolutivo de determinada sociedade.

No mesmo tempo em que de desenvolvia o pensamento de Marx, crescia na Europa uma corrente científica conhecida com Naturalismo, tendo como seu principal representante a figura de Charles Darwin. Darwin propôs a teoria da Evolução das Espécies. Essa evolução dar-se-ia através da selecção natural: entende-se por isso um processo biológico no qual as criaturas mais capacitadas para a vida tendem a ocupar o espaço daquelas que vão se tornado inaptas com o passar das eras. Esta concepção põe em choque a filosofia platônica, segundo a qual existiriam formas imutáveis na natureza, e o próprio conceito bíblico da criação do homem e da vida no planeta.

Cerca de meio século depois surge na Alemanha outro grande pesquisador, Freud, embora seu campo fosse bem outro: a própria estrutura do pensamento humano. Sua teoria psicanalítica veio lançar novas bases ao raciocínio humano e conhecimento deste sobre si mesmo. A psicanálise busca fundamentar as atitudes, anseios e repressões do ser em seu próprio passado, sendo então o Homem o depositário de suas próprias respostas na busca da felicidade e do fim do sentimento de culpa.

Freud deu à psique humana três estruturas básicas: o ID, ou desejo egoísta e instintivo, o SUPEREGO, ou o grande castrador da sociedade, e o EGO, que faz a ligação entre estes dois aspectos da personalidade humana. Da boa interacção destes três teremos as respostas as perguntas que nos assolam individualmente. Também três são as fases de desenvolvimento do ser humano: anal, fálica e oral, estando estas ligadas a forma de aprendizado e relação com o mundo exterior.

Por fim, destacamos como última grande teoria mundial a do Big Bang. Através desta os astrónomos explicam que a actual expansão do universo deveu-se a uma grande explosão ocorrida em seu centro. Desta suposição concluía-se que: ou o universo continuaria a se expandir indefinidamente ou entraria em um processo de contracção, tudo dependendo da quantidade de matéria existente no mesmo, não se tendo noção desta ainda.

Esta teoria estava até a pouco em conflito com duas outras, que também pretendiam explicar a formação de nosso universo. A teoria do Universo Estacionário, defendia a hipótese do mesmo sempre ter sido e que sempre seria/teria a forma de hoje, e o Big Bang Expansivo: o universo está em eterno movimento de expansão. Prova-se a falha de ambas através da frequência conhecida como radiação cósmica de fundo. Essa energia é empregada para medir o distanciamento das galáxias, entre outras coisas, devido a sua linearidade. Percebeu-se que, depois de um grande movimento de expansão, o universo começa a se retrair.

Mas, correlacionando-se tais dados com a eterna pergunta “de onde nós viemos?”, pode-se fazer um paralelo com as teorias mais antigas, do dia e noite de Brahma no hinduísmo, ou o faça-se a Luz da Bíblia, ou a explosão do centro do universo, no Big Bang? As idéias humanas giram ciclicamente em torno das mesmas perguntas, mas as respostas, com o passar das eras, são cada vez mais sutis, análogas e abrangentes.

Conhecendo Alguns Filósofos

Sócrates

      Sócrates nasceu em Atenas em 470 ou 469 a.C., filho de Sofrónico, escultor, e de Fenáreta, parteira. Desde cedo dedicou-se à meditação e ao ensino filosófico, como a uma vocação religiosa, não se deixando distrair pelos cuidados domésticos e pelos interesses políticos. A sua atitude crítica, irónica e o seu método racional despertaram descontentamento geral, hostilidade popular e inimizades pessoais que se concretizaram na famosa acusação movida contra ele, de corromper a mocidade e alterar a religião nacional. Processado, desdenhou defender-se; foi condenado à morte, que enfrentou, serenamente, no cárcere, no ano de 355 a.C. A introspecção é a característica dominante da personalidade socrática, e se exprime no famoso "conhece-te a ti mesmo", e se personificava na voz divina, interna do gênio ou demônio. As notícias relativas a sua vida e seu pensamento as devemos especialmente a dois discípulos seus: Xenofonte e, sobretudo, Platão.
O interesse filosófico de Sócrates – como já o dos sofistas – é voltado para o mundo humano, com finalidades práticas. Mas – diversamente dos sofistas – Sócrates interessa-se não pelo homem empírico, para interesses egoístas, e sim pelo homem em geral, para finalidades morais. Sócrates, como os sofistas, começa criticando o saber vulgar, a opinião; entretanto, não se limita à crítica, não acaba no cepticismo, como os sofistas, mas transcende o saber sensível, individual e mutável, chegando ao saber racional, universal, imutável. A sua filosofia tem, portanto, finalidades práticas, morais; mas tais finalidades se realizam unicamente através do conhecimento, da razão, tanto assim que Sócrates estabelece uma equação absoluta entre ciência e virtude. A única construção racional de Sócrates é, porém, a gnosiologia, não a metafísica; noutras palavras, ele deu-nos um método da ciência, não uma ciência verdadeira e própria. A gnosiologia de Sócrates – a qual se concretizava no seu ensinamento dia lógico, donde é preciso tirá-la – pode-se esquematicamente resumir nestes pontos principais: ironia, farmacêutica, introspecção, ignorância, indução, definição.

Como Sócrates é o fundador da ciência, em geral, mediante a doutrina do conceito, assim é, em particular, o fundador da ciência moral, mediante a doutrina que identifica eticidade com racionalidade, acção racional. Virtude é inteligência, razão, ciência, não sentimento, rotina, costume, tradição, lei positiva, opinião comum. No entanto, como a gnosiologia socrática carece de especificação lógica, precisa, assim a ética socrática carece de conteúdo racional, por falta de uma metafísica.

Sócrates não elaborou um sistema filosófico acabado, nem deixou escrito algum, mas descobriu um método e fundou uma grande escola, de modo que dele depende, direta ou indirectamente, toda a especulação grega que se seguiu, a qual, mediante o pensamento socrático, aperfeiçoa o pensamento dos pré-socráticos em sistemas e desenvolvimentos vários e originais. Isto patenteia-se imediatamente nas escolas socráticas. Elas – ainda que se diferenciem não pouco entre si – concordam todas pelo menos na característica doutrina socrática, de que o maior bem do homem é a sabedoria. A escola socrática maior é a platônica; as escolas socráticas menores são a de Mégara, de Elis, a Cínica, e a Cirenaica. Pelas suas doutrinas específicas – a virtude e o prazer fins da vida – e pelo lugar proeminente, atribuído à moral na filosofia, a escola cínica – cujo famoso expoente é Diógenes – e a cirenaica representam respectivamente o germe do estoicismo e do epicurismo.

Platão

Platão nasceu em Atenas no ano de 428 ou 427 a.C. Seus pais pertenciam a uma antiga e nobre descendência. Teve um temperamento de artista e de filósofo ao mesmo tempo, manifestação característica e elevada do génio grego. Aos vinte anos, Platão travou relações com Sócrates, cujo ensino e amizade gozou durante oito anos. Quando discípulo de Sócrates, Platão estudou também os maiores pré-socráticos. Após a morte do mestre, começou a viajar, dando um vasto giro para se instruir através do Egipto, da Itália meridional e da Sicília. Na Sicília tentou inutilmente realizar a sua utopia política junto à corte de Siracusa. Pelo ano de 368 fundava em Atenas a sua famosa escola, que tomou o nome de Academia, dedicando-se inteiramente à especulação metafísica, ao ensino filosófico e à redação de suas obras até à morte (347 ou 348 a.C.). A atividade literária de Platão abrange mais de cinqüenta anos; escreveu treze cartas e trinta e seis diálogos, que representam a obra-prima da sua atividade artística e filosófica.

Platão, como também Sócrates, pensa que a filosofia tem um fim prático,  moral; é a grande ciência que resolve o problema da vida. Este fim prático, porém, realiza-se só intelectualmente, através da especulação, do conhecimento, da ciência. Mas – diversamente de Sócrates, que limitava a investigação filosófica, conceitual, ao campo antropológico e moral – Platão estende tal investigação ao campo metafísico e cosmológico, quer dizer, a toda a realidade. Como Sócrates, também Platão distingue um conhecimento sensível – a opinião – e um conhecimento intelectual – a ciência; particular e mutável o primeiro, universal e imutável o segundo. Entretanto Platão – diversamente de Sócrates, que faz derivar do conhecimento sensível, por terem precisamente estes dois conhecimentos características opostas. Diversamente de Sócrates, pois, que ignora a metafísica, Platão dá tanto a um quanto ao outro conhecimento, um objecto correspondente, um fundamento ontológico: ao conhecimento sensível o mundo material, multíplice e mutável; ao conhecimento intelectual o mundo ideal, universal e imutável.

As Ideias – O sistema metafísico de Platão centraliza-se e culmina no mundo divino das ideias, a que é contraposta a matéria, obscura e incrida. Entre as ideias e a matéria estão o Demiurgo – arquitecto do universo – e as almas, donde desce das ideias para a matéria o tanto de racionalidade que nela aparece. A divindade platónica é representada pelo mundo das ideias, e especialmente pela ideia do Bem, que ocupa o lugar de maior destaque. Pelo fato de que as ideias são conceitos personificados, transferidos da ordem lógica à ordem ontológica, terão consequentemente as características dos próprios conceitos: transcendentes à experiência, universais, imutáveis, e ordenados logicamente, sistematicamente entre si (dialéctica).

As Almas – Como o Demiurgo, e em dependência dele, a alma tem uma função mediadora entre as ideias e a matéria, a que comunica ordem e vida. Platão distingue três espécies de almas: concutível (vegetativa), irascível (sensitiva), racional (inteligente), que são próprias, respectivamente, da planta, do animal e do homem; e no homem se acham reunidas hierarquicamente, enquanto ele é um ser vivo, sensitivo e dotado de intelecto. A alma racional está no corpo humano como em prisão, em exílio, a que é condenada por uma culpa cometida quando estava no mundo das ideias, sua pátria verdadeira, donde, em consequência dessa culpa, decaiu.

O Mundo – O mundo material, o cosmos platónico, resulta da síntese de dois princípios opostos: as ideias e a matéria. O Demiurgo plasma o caos da matéria sobre o modelo das ideias eternas, introduzindo-lhe a alma, princípio de ordem e de vida. Platão é um pampsiquista, isto é, anima todo o universo: haveria, antes de tudo, uma alma do mundo, e, depois, partes dela, dependentes e inferiores, que seriam as almas dos astros, dos homens, etc.

Consoante a psicologia platónica, a natureza do homem é racional, e, por consequência, na razão o homem realiza a sua humanidade: a acção racional realiza o sumo bem que é, ao mesmo tempo, felicidade e virtude. Entretanto, esta natureza racional do homem encontra no corpo não um instrumento, e sim um obstáculo, que Platão explica mediante um dualismo filosófico-religioso de alma e corpo: o intelecto encontra um obstáculo no sentido, a vontade no impulso. A moral platónica, portanto, é uma moral de renúncia ao mundo – ascética –, e o homem realiza o seu destino além deste mundo, na contemplação do mundo das ideias. Nesta ascese moral, Platão distingue quatro virtudes fundamentais: a sabedoria, a fortaleza, a temperança, a justiça. Quanto ao destino das almas após a morte, julga Platão que as dos sábios, dos filósofos, que se libertaram inteiramente da sensibilidade, voltam para o mundo ideal; as dos homens mergulhados inteiramente na matéria, vão para um lugar de danação; as almas intermédias se reeincarnam em corpos mais ou menos nobres, conforme o bem ou o mal que fizeram.

Platão deriva da natureza humana a justificação da sociedade e do estado, visto que cada um precisa do auxílio moral e material dos outros; deve, portanto, estar unido com os outros. Desta variedade de necessidades humanas origina-se a divisão do trabalho e, consequentemente, a distinção do povo em classes, em castas, bem como a instituição da escravidão, para os trabalhos mais materiais, servis. Segundo Platão, o estado ideal deveria ser dividido em três classes sociais: a dos filósofos, conhecedores da realidade, aos quais cabe o governo da república; a dos guerreiros, a quem cabe a defesa interna e externa do estado, de conformidade com a ordem estabelecida pelos filósofos; a dos produtores – agricultores e artesãos – submetidos às duas classes precedentes, cabendo-lhes a conservação económica do estado. Platão tinha compreendido que os interesses privados, domésticos, redundam efectivamente em contraste com os interesses sociais, estatais. E não hesita em sacrificar inteiramente a família e a riqueza dos particulares ao estado; daí o assim chamado comunismo platónico, que não é materialista, económico, e sim espiritual, ascético. Se a natureza do estado é, essencialmente, a de um organismo ético, o seu fim principal é pedagógico: o estado, antes de tudo, deve prover ao bem espiritual dos cidadãos, educando-os virtuosa mente; e apenas secundariamente, instrumentalmente, se deve ocupar com o bem-estar dos cidadãos.

A divindade platónica é constituída pelo mundo das ideias, ocupando o centro a ideia do Bem. Quanto à religião positiva grega, Platão hostiliza o antropomorfismo, admitindo entretanto um politeísmo astral, tendo ao0 centro o Demiurgo. As doutrinas estéticas de Platão são algo oscilantes entre u ma valorização e uma desvalorização da arte. No conjunto do seu pensamento prevalece a desvalorização e por dois motivos, teorético um, prático outro. O motivo teorético é que a arte seria cópia de uma cópia: cópia do mundo empírico, que já é cópia do mundo ideal. Em suma, a arte copiaria os fenómenos, não as essências como as ciências fazem. O  motivo prático é que a arte, dada esta sua natureza teorética inferior, impura fonte gnosiológica, torna-se igualmente danosa no campo moral: com efeito, operando cegamente sobre o sentimento, a arte nos atrai para o verdadeiro assim como para o falso, para o bem como para o mal.
A escola filosófica fundada por Platão, a Academia, sobreviveu-lhe por quase um milênio, até o século VI d.C. A academia platônica divide-se comumente em antiga, média e nova. A antiga academia preocupa-se com uma sistematização mais completa do pensamento platônico e com uma maior valorização da experiência. A média academia toma uma tendência cética, sobretudo graças a Carnéades. A nova academia orienta-se especialmente para o ecletismo. Chega-se, entrementes, ao início da era vulgar; a academia platônica, porém, sobreviverá ainda e tomará uma última forma no neoplatonismo.

Aristóteles

            Este grande filósofo grego nasceu em Estagira no ano de 384 a.C. Aos 18 anos entrou na academia platônica, onde ficou por vinte anos, até à morte do mestre. Em 343 foi convidado por Filipe, rei da Macedônia, para educar o filho Alexandre, chamado, mais tarde, Magno. Voltando para Atenas em 335, aí fundou sua escola famosa, chamada Liceu e também escola peripatética. Em 323 teve de abandonar Atenas por motivos políticos, retirando-se para Eubéia, onde morreu em 332 a.C. com 62 anos de idade. Aristóteles foi especialmente um homem de cultura e de pensamento, que se isola da vida prática, para a pesquisa científica. A sua actividade literária foi vasta e intensa, como a sua cultura e o seu génio; chegam perto de um sem número as obras escritas por ele, das quais ficou a parte, não quantitativamente, mas qualitativamente mais importante, a saber: os tratados científicos elaborados para o ensino. A primeira edição completa das obras de Aristóteles é a de Andronico de Rodes – pelos fins da era antiga – que classifica os escritos aristotélicos da maneira seguinte: lógica, física, metafísica, moral, política, retórica e poética. As obras doutrinais de Aristóteles manifestam um grande rigor científico, exposição e expressão breve e aguda, clara e ordenada, maravilhosa perfeição da terminologia filosófica.

Segundo Aristóteles, a filosofia é essencialmente teorética, deve decifrar o enigma do universo: o seu problema fundamental é o problema do ser, não o da vida. A filosofia divide-se em teorética, prática e poética, e abrange todo o saber humano. A teorética divide-se, por sua vez, em física, matemática e filosofia primeira – metafísica e teologia –; a prática divide-se em ética e política; a poética em estética e técnica. Pelo que concerne ao problema gnosiológico, a ciência, a filosofia têm como objecto o universal, o necessário, isto é, a forma, a essência das coisas existentes na realidade. Objecto essencial da lógica aristotélica é o processo de derivação, demonstração, dedução ideais do particular pelo universal, que corresponde a um processo de derivação real no mundo das coisas: a sua expressão clássica é o silogismo. Segundo Aristóteles, porém, diversamente de Platão, os elementos primeiros do conhecimento, da ciência – conceitos e juízos – têm que ser, num caso e noutro, tirados da experiência. Assim sendo, compreende-se como Aristóteles, ao lado da doutrina da dedução, foi levado a elaborar, na lógica, uma doutrina da indução. Não é ela por certo efetivamente completa, mas pode ser integrada logicamente segundo o espírito profundo da filosofia aristotélica.

A metafísica aristotélica é a ciência do ser como ser, isto é, do ser em geral – metafísica geral: ontologia –, e, logo, ciência acerca de Deus e também do homem e do mundo – metafísica especial: cosmologia, psicologia e teologia –. As questões principais da metafísica geral aristotélica podem-se reduzir a quatro: potência e ato, matéria e forma, particular e universal, motor e coisa movida. Potência e ato: potência significa não-ser atual e capacidade de ser; ato significa ser efectivo, realização de uma possibilidade. Todo ser, salvo o ser perfeitíssimo, é uma síntese – sínolo – de potência e de ato. A passagem da potência ao ato é o vir-a-ser. Matéria e forma: a matéria é a potência e a forma é o ato no mundo material. A matéria é, portanto, o princípio da indeterminação, que é determinado pela forma (essência, espécie). Todo ser material resulta da síntese de matéria e forma (substância). Particular e universal: a particularidade, a singularidade, a individualidade das várias substâncias depende da matéria, que multiplica precisamente em muitos indivíduos a universalidade da forma, essência, espécie. Motor e coisa movida: o movimento, o vir-a-ser, a mudança, é a passagem da potência ao ato, da matéria à forma. A fim de que esta passagem se realize, para que haja movimento, vir-a-ser, mudança, é preciso um motor, uma causa da própria passagem, até que, de causa em causa, se chegue a Deus, ato puro, motor imóvel do universo.

Uma questão geral da física aristotélica como filosofia da natureza, é a análise dos vários tipos de movimento, mudança que já sabemos consistir na passagem da potência ao ato, realização de uma possibilidade. Outra e também importantíssima questão da física aristotélica concerne ao espaço e ao tempo, concebidos como reais por Aristóteles: não, porém, como substâncias, mas como relações entre substâncias. Uma questão fundamental da filosofia natural da filosofia aristotélica é a referente à finalidade, à ordem da natureza. Aristóteles é um estrênuo afirmador da doutrina da finalidade, com base na doutrina da causa final.

Objeto principal da psicologia aristotélica é o mundo vivente, que tem como princípio a alma, e se distingue essencialmente do mundo inorgânico, mineral. Aristóteles distingue uma alma vegetativa, própria das plantas; uma alma sensitiva, própria dos animais; uma alma racional, própria do homem, e que reúne em si também as funções características das duas almas precedentes. O homem é uma unidade substancial de alma e corpo, em que a alma desempenha o papel de forma com respeito à matéria, está constituindo o corpo. O que caracteriza a alma humana é a racionalidade, a inteligência, o pensamento, pelo que ela é espírito e deve ser imortal. As faculdades fundamentais do espírito humano são duas: a teorética, cognitiva, contemplativa; e a prática, operativa, activa. Cada uma delas, pois, se desdobra em dois graus, sensitivo e intelectivo, se se levar em conta que o homem é um espírito unido – substancialmente – a um corpo. Teremos, assim, um conhecimento sensível e um conhecimento intelectual, e dois tipos de actividades práticas: a tendência e a vontade.

Objecto próprio da teologia é o primeiro motor imóvel, o ato puro, o pensamento do pensamento, isto é, Deus. Aristóteles chega a Deus mediante uma sólida demonstração, que parte da experiência imediata, da indiscutível realidade do devir, da passagem da potência ao ato. Todo devir, passagem da potência ao ato, demanda necessariamente uma causa, e esta uma outra causa ainda; e, assim por diante, até se chegar a um ser que não vem-a-ser, a um motor em ato, a um puro ato, que, de outra forma, deveria ser movido por sua vez. Da análise do conceito de Deus, concebido como primeiro motor imóvel – conceito conquistado através do raciocínio precedente – Aristóteles deduz logicamente a natureza essencial de Deus. Antes de tudo, Deus concebido como ato puro, perfeição absoluta e, depois, concebido como pensamento do pensamento, conhecimento de si mesmo: nesta autocontemplação imutável e ativa está a beatitude divina. Se Deus é mera actividade teorética, tendo como objecto unicamente a própria perfeição, não conhece o mundo imperfeito, e menos ainda actua sobre ele como criador e providência. O Deus de Aristóteles actua sobre o mundo – por ele movido – não como causa eficiente, operante, mas como causa final, atraente.

Conforme a metafísica aristotélica, todo ser tende necessariamente à realização da sua natureza, à concretização plena da sua forma: e nisto está o seu fim, o seu bem, a sua felicidade e, por consequência, a sua lei. Visto ser a razão a essência característica do homem, realiza ele a sua natureza vivendo racionalmente, e sendo disto consciente. E, desta maneira, ele alcança a felicidade e a virtude, isto é, a felicidade mediante a virtude, que é precisamente uma actividade segundo a razão, quer dizer, pressupõe o conhecimento racional. Logo, o fim do homem é a felicidade, para a qual é necessária a virtude, que, por sua vez, necessita da razão. Característica da ética aristotélica é a harmonia entre paixão e razão, virtude e felicidade; e também a doutrina de que a virtude é um justo meio, e um hábito racional. Enfim, a ética aristotélica reconhece a primazia das virtudes dianoéticas, contemplativas, sobre as virtudes éticas, activas; a supremacia do conhecimento e do intelecto sobre a prática e a vontade.

O estado é um organismo moral, condição e complemento da actividade moral individual. A política, todavia, é distinta da moral; pois, esta tem como objecto o indivíduo, aquela a colectividade: a ética é a doutrina moral individual, a política é a doutrina moral social. O estado é composto pela comunidade das famílias, como os diversos indivíduos compõem as famílias. Segundo Aristóteles, a família é constituída de quatro elementos: os filhos, a mulher, os bens, os escravos; fora naturalmente o chefe, a quem cabe a direcção geral. A fim de que a propriedade seja produtora, são necessários instrumentos animados e inanimados: os animados seriam os escravos, a que Aristóteles não nega a natureza humana, mas não lhes reconhece os direitos humanos, por causa da actividade material deles. O estado surge, porquanto o homem é um animal naturalmente social, político; o estado provê inicialmente a satisfação daquelas necessidades materiais, negativas e positivas, defesa e organização, que não se podem de outro modo realizar; mas o seu fim é essencialmente espiritual, e, portanto, pedagógico.

O Deus aristotélico é representado pelo Ato Puro, admitindo Aristóteles outros deuses subordinados a este: os deuses astrais, inteligências animadoras das estrelas. Não obstante este teísmo superior, Aristóteles deixa ao povo a religião positiva, antropomórfica, a ele adaptada, sem correcção alguma. Aristóteles, como Platão, considera a arte como imitação. Entretanto, não imitação de uma imitação – como é o fenómeno, o sensível platónico; mas imitação directa da própria ideia, imitação do inteligível imanente no sensível, imitação da forma imanente na matéria. Na arte, este inteligível, universal, é encarnado concretizado em um sensível, em um particular e, destarte, tornado intuitivo, graças ao artista. Deste seu conteúdo inteligível, universal, depende a eficácia espiritual – pedagógica, elevadora – da arte.

A escola peripatética – o Liceu – não teve a longa duração e a variedade de orientações da academia platônica, e dedicou-se especialmente à indagação empírica, naturalista, histórica. Inversamente, o aristotelismo, mais do que o platonismo, terá uma fecunda vida fora e além do pensamento grego, isto é, no pensamento cristão, escolástico, tomista.

Santo Agostinho

            Aurélio Agostinho nasceu em Tagasta, na Numídia, em 354, filho de Patrício, pagão, e de Mônica, cristã. Estudou em Tagasta e Cartago, onde se desviou moral e intelectualmente (dualismo maniqueísmo). Acabados os estudos superiores, foi para Milão como mestre de retórica; entretanto, bem cedo, afastou-se do ensino e, convertido ao cristianismo, voltou para a África. Estas as vicissitudes exteriores da vida de Agostinho. As vicissitudes espirituais são, depois de uma fase céptica, a neoplatónica e, finalmente, a cristã. Chegará ao cristianismo, antes por via do intelecto do que por via da vontade. Depois da conversão, Agostinho voltou para a África, distribuiu todos seus haveres aos pobres; ordenado padre é, em seguida, consagrado bispo de Hipona, onde faleceu em 430. Agostinho escreveu muitas obras de interesse religioso e teológico; algumas também de interesse filosófico, em especial os diálogos e os escritos contra os maniqueus. Todas as obras de Agostinho, porém, têm um interesse filosófico, tratando de problemas filosófico-teológicos, devido à sua característica filosófica-teológica.

            Agostinho sente praticamente e platonicamente a filosofia como solucionadora do problema da vida, a que unicamente o cristianismo pode proporcionar uma solução integral. O problema gnosiológico foi profundamente sentido por Agostinho na fase céptico-académica do seu pensamento. Embora desvalorizado, platonicamente, o conhecimento sensível com respeito ao conhecimento intelectual, admite ele que os sentidos, bem como o intelecto, são fontes de conhecimento. E como para a visão sensível, além dos olhos e a coisa, é mister a luz física, assim, para o conhecimento intelectual seria necessário, segundo ele, um lume espiritual, que vem de Deus, o Verbo de Deus, para o qual são transferidas as idéias platónicas.

Em relação com esta gnosiologia, e em dependência dela, a existência de Deus é provada, fundamentalmente, a priori, enquanto no espírito humano haveria uma particular presença de Deus. Segundo Agostinho esta presença, se compendia na Verdade de Deus, no Verbo de Deus, que ilumina e torna verdadeiros os nossos conhecimentos. Quanto à natureza de Deus, Agostinho tem uma idéia perfeitamente exata: Deus é poder racional infinito, eterno, imutável, espírito, pessoa. Sendo, pois, Deus também a Trindade do Padre, Verbo e Espírito Santo, esforça-se Agostinho por descobrir filosoficamente as imagens da Trindade em todo o mundo; toda criatura seria, essencialmente, ser, saber, vontade.

Também a psicologia agostiniana está em harmonia com o seu platonismo cristão. Certamente o corpo não é essencialmente mal, visto que é uma criatura de Deus, que fez boas todas as coisas. Mas a união da alma com o corpo é, de certo modo, extrínseca, acidental. A alma e o corpo não formam a unidade metafísica, substancial, como na concepção aristotélico-tomista, graças à doutrina da forma e da matéria. Entre as faculdades da alma, a vontade tem a primazia e não o intelecto.

Quanto à cosmologia, mencionamos a famosa doutrina agostiniana das rationes seminales – germes racionais. Segundo esta doutrina, Deus na criação originária e simultânea das coisas, teria criado algumas completamente realizadas; de outras coisas teria criado apenas as causas necessárias para produzi-las, predispondo estas causas de maneira que dessem origem, mais tarde, desenvolvendo-se, às coisas.

Naturalmente a moral agostiniana é teísta e cristã e, portanto, transcendente e ascética. Agostinho até acentue estes caracteres, devido ao seu rigorismo e a sua concepção do pecado original. Nota característica de sua moral é o voluntarismo, quer dizer, o primado da ação, do prático – próprio do pensamento latino –, contrariamente ao pensamento grego, que reconhece o primado do teorético, do conhecimento. A virtude essencial é o amor de Deus. A vontade humana é, entretanto, livre e pode fazer o mal, porquanto é vontade de um ser limitado. Em tal caso, a vontade é má; não é, porém, causa eficiente, e sim deficiente, da acção viciosa, visto que o mal não tem realidade metafísica. O pecado, pois, tem em si mesmo imanente a pena da sua desordem: com efeito, não podendo a criatura lesar a Deus, prejudica-se a si mesma, determinando a dilaceração da sua natureza.

A solução do problema do mal constitui, talvez, a maior glória especulativa de Agostinho. O mal é, fundamentalmente, privação do bem – privação de ser. Tal bem pode ser não devido (mal metafísico) ou devido (mal físico e moral) a uma determinada natureza. Se o bem é devido, nasce o verdadeiro problema do mal. A solução desse problema é estética, para o mal físico; é moral (pecado original e redenção pela cruz), para o mal moral e, também, físico.

A solução do problema da história constitui outra grande glória especulativa de Agostinho. Tal problema é, fundamentalmente, o problema do mal na história. Agostinho resolve-o, naturalmente, mediante os dogmas do pecado original e da redenção pela cruz, isto é, mediante a Revelação, a Teologia. Agostinho trata desse assunto na  Cidade de Deus, que se pode considerar a obra-prima especulativa do grande doutor.




Tomás de Aquino

            Tomás, natural de Roccasecca, nasceu em 1225 descendente da nobre estirpe dos condes de Aquino. Foi educado em Monte Cassino, estudou em Nápoles as artes liberais e entrou na ordem dominicana, renunciando a tudo, salvo à ciência. Dedicou-se, em seguida, ao estudo da teologia e da filosofia sob a direção de Alberto Magno, seu coirmão e mestre nas universidades de Paris e Colônia. Em 1252 Tomás voltou para Paris onde colou os graus acadêmicos e ensinou longamente. Faleceu em 1274 no mosteiro de Fossanova entre Nápoles e Roma, a caminho de Lião, onde ia tomar parte no concílio por ordem de Gregório X. As obras de Tomás de Aquino podem-se dividir em quatro grupos: 1.º Comentários; 2.º Sumas; 3.º Questões;               4.º Opúsculos.

            Alberto, da nobre família dos duques de Bollstädt (1207-1280), dito Magno, dominicano, tem uma grande importância na história do pensamento escolástico, pois foi o primeiro grande aristotélico medieval e o mestre de Tomás de Aquino. A atividade científica de Alberto Magno é vastíssima (38 volumes), e abraça os assuntos mais variados. Esforçou-se ele por levar Aristóteles ao conhecimento do mundo latino, e dedicou-se intensamente ao estudo das ciências naturais.

            Diversamente da tendência agostiniana e em harmonia com o pensamento aristotélico, Tomás considera a filosofia como disciplina essencialmente teorética. A gnosiologia tomista – como a aristotélica – é empírica e racional, isto é, a razão busca o seu conteúdo na experiência, sem admitir inatismos e iluminações divinas. O conhecimento humano tem dois momentos, sensível e inteligível, o segundo dependendo do primeiro. No processo cognitivo – que é conhecimento do ser, do objecto – realiza-se uma identificação intencional (cognitiva) entre sujeito e objecto, especialmente no conhecimento intelectual, pelo que sujeito e objecto se encontram no fato do conhecimento. Um momento essencial da gnosiologia tomista é o intelecto agente, uma faculdade que deve iluminar o conhecimento sensível (fantasma), para abstrair dele o elemento inteligível – essência das coisas – nelas implícito. E, destarte, torna-o cognoscível ao intelecto passivo, que, propriamente, conhece: entende os conceitos, julga, raciocina, elabora o saber até a filosofia. Admitido isso, a verdade lógica não está nas coisas e nem sequer no0 mero intelecto, mas na adequação entre a coisa e o intelecto: veritas est adaequatio speculativa mentis et rei. O sinal pelo qual a verdade se revela à nossa mente é a evidência. E os muitos conhecimentos que não são evidentes, intuitivos, tornam-se verdadeiros quando levados à evidência mediante a demonstração filosófica.
           
            A metafísica tomista pode-se dividir em geral e especial. A metafísica geral, ou ontologia, tem como objeto o ser em geral e as relativas atribuições e leis. A metafísica especial estuda, ao contrário, o ser em suas grandes especificações, Deus, o espírito, o mundo. Daí a teologia racional, a psicologia racional, a filosofia natural. O princípio fundamental da ontologia tomista é a especificação do ser em potência e ato. Ato significa realidade, perfeição; ao passo que potência quer dizer não-realidade, imperfeição, mas capacidade para receber uma perfeição. A passagem da potência ao ato constitui o vir-a-ser, que depende do ser que é ato puro, imutável, e faz com que tudo seja e venha-a-ser.

            A natureza – Uma especificação do princípio de potência e ato – válido para toda a realidade – é o princípio da matéria e da forma, válido apenas para a realidade material, para o mundo físico, e interessa portanto especialmente à cosmologia tomista. A matéria não é absoluto, não-ente; é, porém, irreal sem a forma. Por esta é determinada a matéria, como a potência é determinada pelo ato; mas é necessária a fim de que haja um ser completo e real – a substância. A forma é a essência das coisas – água, ouro, vidro – e é universal. A individualização, a concretização da própria forma, essência, em vários indivíduos, apenas eles existindo realmente (esta água, este ouro, este vidro), dependem da matéria. Representa ela, portanto, o princípio de individualização no mundo físico.

            O espírito – Quando a forma é princípio de vida – que é uma actividade tendo origem no interior do ser – chama-se alma. Têm, portanto, uma alma as plantas (alma vegetativa) e os animais (alma sensitiva). Mas à psicologia racional, concernente ao homem, interessa propriamente a alma racional, que entende e quer, além de desempenhar as funções das almas vegetativa e sensitiva – que são materiais – se manifestam no homem também atividades espirituais, como as do intelecto e da vontade. Se a alma humana é espiritual, imaterial, não é composta de partes, mas simples e, logo, imortal. Tomás, pois, diversamente do dualismo platônico-agostiniano, sustenta que a alma, embora espiritual, é unida substancialmente com o corpo material, de que é a forma.

            Deus – também, e ainda mais, a teologia racional tomista depende da doutrina da potência e do ato. Sustenta Tomás, contra o apriorismo e o intuicionismo platônico-agostinianos, que Deus se pode demonstrar unicamente mediante a razão, partindo da experiência. As provas tomistas  da existência de Deus são cinco. Todas, pois, têm comum a característica de se firmar na evidência – sensível e racional –, para proceder à demonstração, como pede a lógica. Aplicam a um dado sensível evidente um princípio racional igualmente sólido, para transcender a experiência. Se conhecemos apenas indiretamente, pelas provas, a existência de Deus, ainda mais limitado é o conhecimento que temos da essência divina, que transcende, infinitamente o intelecto humano. Segundo o Aquinate, antes de tudo, sabemos o que Deus não é (teologia negativa); mas o conhecemos também algo de positivo a seu respeito (teologia analógica: o mundo deve ter certa semelhança com Deus, que lhe é a causa; portanto, pelo mundo se pode conhecer, até certo ponto, Deus). O problema das relações de Deus com o mundo é resolvido com base no conceito de criação, que é uma produção do mundo livre, total, do nada, por parte de Deus.

            Também no campo da moral Tomás não segue o agostinianismo, pois a moral tomista é essencialmente intelectualista, ao passo que a moral agostiniana é voluntarista. Em outras palavras, a moral tomista não só considera o querer como condicionado, subordinado ao conhecimento, mas tem como fim o conhecimento, em que consiste – segundo o tomismo – a perfeição humana. E a ordem moral, pois, não depende da vontade de Deus, e sim da essência divina, que é racional, isto é, a ordem moral é imanente da essência divina, realizada por Deus no mundo. De sorte que, agir moralmente, significa agir racionalmente, em conformidade com a natureza racional do homem. Analisando a natureza humana, resulta que o homem, além de ser um animal racional, é também um animal político (social), e, por conseguinte, forçado a viver em sociedade com os outros homens. A primeira forma de sociedade é a família; a segunda, o estado. Pelo fato de que apenas o indivíduo não seja subordinado à sociedade – quer familiar quer estatal –, mas vice-versa. Se bem que o estado seja sociedade completa no seu gênero, fica ele subordinado – porquanto diz respeito ao fim último do homem – à Igreja, que tem como escopo o bem eterno das almas, ao passo que o estado tem como fim o bem temporal.

            Acerca do problema das relações entre filosofia e teologia, Tomás dá uma solução precisa e definitiva, mediante uma distinção clara entre as duas ordens. Com base no sólido sistema aristotélico, é conquistada finalmente a consciência do que é conhecimento racional, ciência: um lógico procedimento de princípios evidentes para conclusões inteligíveis. E logo se compreende que é impossível a demonstração racional em matéria de fé, onde os princípios não são evidentes, mas transcendem a razão, pois são mistérios; e igualmente ininteligíveis são as conclusões lógicas tiradas destes princípios. Em todo caso, segundo o sistema tomista, a razão e a revelação, a filosofia e a teologia, não podem hostilizar-se mutuamente, estar em desarmonia, porquanto procedem  da mesma Verdade eterna. Pelo contrário, têm algumas determinadas relações recíprocas.

            O tomismo afirma-se como uma crítica que  valoriza a tendência platónico-agostiniana em nome do racionalismo aristotélico que pareceu um escândalo, no campo católico, ao misticismo agostiniano. Afirma-se, ademais, como o início da filosofia no pensamento cristão, e também como início do pensamento moderno, enquanto a filosofia é concebida como uma construção autónoma e crítica da razão humana. Em nome da razão, o tomismo constrói uma gnosiologia, uma metafísica e uma moral em oposição ao agostinianismo tradicional.

René Descartes

            Descartes (Cartésio) pode considerar-se o fundador do racionalismo moderno e da moderna filosofia, especialmente pelo seu método crítico e subjetivo, dedutivo e matemático.

            René Descartes nasceu em 1596 na Turena, e foi educado pelos Jesuítas no célebre colégio de La Flèche. Após alguns anos de vida militar e depois de ter longamente viajado, retirou-se para a Holanda, dedicando-se aos estudos prediletos: filosofia e ciências. Faleceu em 1649 em Estocolmo, para onde foi a convite da rainha Cristina da Suécia.

            As obras filosóficas de Descartes são: Discours de la méthode (Leida, 1637); Meditationes de prima philosophia (Paris, 1641); Principia philosophiae (Amsterdam, 1644); Traité des passions de l'âme (Paris, 1649).

            Descartes inicia a sua filosofia com uma investigação gnosiológica, metodológica. O método cartesiano pode resumir-se nestes quatro momentos: intuição, análise, síntese, enumeração completa. O critério cartesiano da verdade é a clareza e a distinção. Em concreto, Descartes parte de uma dúvida universal (metódica), para entretanto superá-la criticamente na conquista segura da verdade.

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